segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Pajador

Pajador é o repentista que canta seus versos de improviso com o acompanhamento de milonga, feito por guitarra. No sul do Brasil, o pajador canta seus versos em Décima Espinela (ABBAACCDDC) no estilo recitado e não se acompanha musicalmente como nos Países do Prata. Um músico de apoio executa a milonga para a pajada.

Pajador (ou payador em espanhol) quer dizer repentista. A origem da palavra não tem uma definição convencionada. Há algumas hipóteses: alguns autores afirmam que venha de "payo" nome do primitivo habitante de Castilla, outros que seria de "pago" ou "pagueador" e ainda há quem sugira que venha de "palla" nome dado pelos Quichuas aos grupos de índios que sentavam nas praças a cantar. Há quem afirme que possa vir da palavra "pajé", chefe espiritual dos índígenas, misto de sacerdote, médico e feiticeiro. Contudo ninguém sabe ao certo.

A grafia da palavra em espanhol é Payador e em português, convencionamos, Pajador, porém sua pronúncia é a mesma: PAJADOR.

O pajador foi o andejo ou gaudério que surgiu na origem do gaúcho (ou el gaucho). Cruzava os campos em busca de lonjuras, quando o sul da América tinha suas fronteiras imprecisas. Até que provem o contrário, pode-se afirmar que ele esteve em terras, hoje brasileiras, do mesmo jeito e no mesmo período em que, em uruguaias, argentinas e chilenas.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Erva-Mate


Esta lenda conta que, há muitos e muitos anos, uma grande tribo estava de partida. O lugar onde moravam não servia mais, pois a caça estava difícil e a terra já não produzia como antes. Todos estavam muito tristes, apesar das palavras animadoras do cacique e das previsões do pajé. Lentamente, em procissão, os índios foram deixando a antiga aldeia onde tinham vivido tantos anos. As ocas abandonadas e alguns pássaros que, percebendo o abandono, vieram pousar no terreiro, à procura de alguma sobra de comida, compunham a desolação do ambiente.
Não havia mais ninguém.
De repente, o couro que fechava a entrada de uma oca foi afastado.
Os pássaros, assustados, voaram para longe, e um velho índio apareceu. Tinha os cabelos completamente brancos e apoiava-se a um bordão. Atrás dele surgiu uma mocinha índia.
O velho guerreiro não tivera forças para acompanhar a tribo em sua marcha.
Sua filha mais nova, sem coragem de abandoná-lo, preferira renunciar à segurança da tribo. Para não assistir à partida de sua gente, haviam permanecido dentro da oca. O velho insistira com a filha para que fosse com os outros:
- Vá, enquanto é tempo, Iari. Pouco me resta de vida e depois, o que será de você? O que fará neste lugar abandonado? Antes ficar sozinho do que angustiar-me com seu destino.
- Não fale assim, pai. Sabe que eu não teria coragem de abandonar-lhe. O que faria o senhor sozinho? Morreria de fome!
Os dois continuaram a viver na aldeia e dava pena ver o esforço do índio para ser útil à filha.
Lentamente, com o maior sacrifício, reunia um pouco de lenha, apanhava, apanhava alguma fruta.
Ela, então, não parava: plantava, colhia, cozinhava, procurava manter em ordem a oca e o terreiro, onde o mato, adivinhando a fraqueza da moça, parecia resolvido a retomar o que fora seu. Até as onças, que antes não se aproximavam, temendo a flecha dos guerreiros, andavam urrando cada vez mais perto. A noite era cheia de sobressaltos e o dia, vazio de esperanças.
Os meses foram passando.
Numa triste tarde de inverno, o velho estava um tanto afastado da aldeia, colhendo algumas frutas, quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensando que fosse uma onça, ficou gelado. Para defender-se, não tinha mais forças; para fugir, não podia contar com as pernas. Completamente paralisado, esperou o pior.
Em vez da onça, porém, viu surgir um homem branco muito forte, de olhos da cor do céu, vestindo roupas coloridas, que aproximou-se do velho guerreiro e pediu:
- Venho de longe e há dias que ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?
O velho lembrou-se que a comida era escassa, mas não pode recusar.
- Sim, respondeu. Venha comigo. E tomaram o caminho da aldeia.
Ao chegar, ele chamou Iari e apresentou-lhe o viajante:
- Este homem, minha filha, está mais cansando do que nós e também sente fome. Cuide para que nada lhe falte.
Iari acendeu o fogo e preparou tudo o que havia de comer, embora soubesse que não seria fácil conseguir mais. O estranho comeu com apetite.
O velho e sua filha cederam-lhe sua oca e foram dormir numa das outras, abandonadas. Iari levou sua rede, nela acomodou o pai e dormiu no chão, porque não havia outra rede e a de seu pai ficara com o viajante.

Logo cedo, o velho índio encontrou o homem branco cortando lenha. Pediu-lhe que parasse, pois era um hóspede, mas o homem respondeu que já estava bem descansado e gostaria de ajudar, também.
Terminou de cortar a lenha e seguiu em direção à floresta. Horas depois, retornou com várias caças. O velho não sabia o que dizer.
- Vocês merecem muito mais! - exclamou o homem. Trataram-me com toda a hospitalidade, dando-me tudo o que possuíam!
Depois ele confessou que era um enviado de Tupã. O deus dos índios estava preocupado com a sorte dos dois.
- Pela bondade de vocês, disse ele, merecem receber tudo o que desejarem.
O velho animou-se:
- Posso pedir mesmo?
- Claro! Diga o que deseja!
- Queria ter um amigo que me fizesse companhia até que meus dias acabassem. Assim, Iari poderia alcançar nossa tribo e ser feliz. Fico triste em vê-la aqui sozinha, sem amigas, sem uma festa, só trabalhando. Se ao menos eu tivesse mais forças! Poderia ficar sozinho. Ela não quer deixar-me, porque sabe que eu não sobreviveria.
- Vou arranjar-lhe um amigo, prometeu o mensageiro. Um amigo que lhe dará alegria e forças para o resto de seus dias.
Mostro-lhe, então, uma erva estranha:
- Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Depois ferva suas folhas e beba o chá. Novamente as forças lhe voltarão e poderá trabalhar e caçar o quanto quiser. Sua filha, se desejar, poderá ir ao encontro da tribo.
Iari foi chamada e disse que não, preferia ficar na companhia do pai. Não poderia ser feliz em sua tribo, se o deixasse só.
O enviado de Tupã sorriu, emocionado:
- Por ser tão boa filha, você merece uma recompensa. A partir de agora, você é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam, para ficarem fortes e felizes.
Em seguida, o homem partiu.
Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade.
Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. Mas como? Estavam tão longe que ali não aparecia ninguém! Ela não sabia o que fazer.

Numa distante aldeia de índios, realizava-se uma grande festa. Todos estavam contentes porque tinham feito uma boa caçada e tão cedo não precisariam preocupar-se com alimento.
Enquanto uns dançavam e cantavam, outros comiam e bebiam.
Depois de algumas horas de alegria, dois jovens índios, que tinham bebido mais do que deviam, começaram a discutir. Eram Piraúna e Jaguaretê. O primeiro usava um colar feito com dentes de cem inimigos que abatera nas guerras; o segundo era famoso por sua força e coragem. Eram os guerreiros mais fortes da tribo.
Quando alguns índios viram o que estava acontecendo, procuraram acalmar os dois jovens, pois sabiam que uma briga entre eles teria resultado funesto. Depois de muito esforço, levaram cada um para um lado e a festa continuou.
Mas os dois estavam mesmo decididos a terminar a discussão que haviam iniciado. Pouco a pouco, um foi chegando perto do outro e a briga recomeçou. Desta vez, apelaram para a força. Os índios mais corajosos fizeram de tudo para separá-los. Porém, quem podia com eles? Fortes como eram, cheios de ódio e com cauim a embotar-lhes o raciocínio, pareciam duas feras e não dois homens.
De repente, Jaguaretê empunhou um tacape e deu um violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o.
Interrompendo-se a festa e Jaguaretê foi amarrado ao poste das torturas.
Pelas leis daquela tribo, os parentes do morto podiam executar o assassino.
Trouxeram o pai de Piraúna, para que ordenasse a execução de Jaguaretê, mas ele não quis fazê-lo. Disse que Jaguaretê só era culpado de haver bebido demais, tendo dado, assim, oportunidade a Anhangá, o espírito mau, de dominá-lo, levando-o a matar o amigo. Ele não deveria ser morto, portanto. Apenas expulso da tribo. Teria de viver sozinho nas matas desconhecidas, onde poderia refletir com calma sobre o que fizera.
A decisão do velho foi obedecida. Depois de desamarrarem o jovem guerreiro, deram-lhe permissão para que pegasse suas armas e ordenaram que partisse imediatamente.
Jaguaretê obedeceu e seguiu para o exílio. Ia triste, cabisbaixo, pois o efeito da bebida estava passando e podia ver agora o mal que fizera. Seguiu seu caminho e embrenhou-se na mata.
Depois que Jaguaretê sumiu na floresta, ninguém ouviu falar mais nele. Com o tempo, foi completamente esquecido.


Muitos anos depois, alguns índios daquela tribo, que nem tinham ouvido falar em Jaguaretê, saíram para caçar. Entraram pelo sertão, onde era fácil encontrar uma onça, aprofundando-se cada vez mais. No meio da floresta, encontraram uma cabana. Surpresos, aproximaram-se com cuidado.
Nisto, um homem forte e sorridente apareceu. Embora tivesse os cabelos brancos, o corpo e o rosto eram os de um jovem.
Ele acolheu os índios com cordialidade e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Era Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo, e a bebida desconhecida era o mate.
Os índios quiseram saber por que ele vivia sozinho naquela cabana e que bebida era aquela.
Jaguaretê contou-lhes a sua história:
- Assim que me vi sozinho na floresta, não agüentava mais o cansaço e o remorso, joguei-me no chão e ali fiquei, pedindo a morte. O arrependimento e a saudade de minha gente me torturavam. Fiquei muito tempo caído no mesmo lugar. Pressenti, então, que alguém estava perto de mim. Levantei a cabeça e vi uma jovem de olhar bondoso. Ela fitou-me com compaixão e disse:
- Tenho pena de você, porque não matou por querer e agora está arrependido do que fez. Para que possa suportar seu exílio, vou ensinar-lhe uma bebida que não enfraquece nem tira a razão como o álcool, mas fortalece o corpo e clareia a mente. Meu nome é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais.
Mostrou-me uma estranha planta e esclareceu:
- Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe-a crescer e faça-a multiplicar-se. Depois, prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo será forte e sua mente será clara por muitos e muitos anos.
Segurei, emocionado, a planta que a deusa me entregara. Ela me olhou, em silêncio. Depois, desaparecendo pouco a pouco, como se fosse fumaça, ordenou:
- Não deixe de transmitir a quem encontrar, o que aprendeu sobre o mate!
- Portanto, meus amigos, finalizou Jaguaretê, quero que levem alguns pés de erva-mate para sua tribo e nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.
- Não vem conosco? - perguntou um índio.
- Não, não vou, respondeu Jaguaretê, pensativamente. Agora é tarde. Todos os que eu conhecia na tribo já devem estar mortos e eu seria um estranho. É preciso que eu cumpra meu exílio. Além disso, estou habituado com este lugar, que me sinto parte dele. E não estou sozinho, tenho o mate para alegrar minhas horas de solidão.
Os índios voltaram e contaram aos outros o tinham ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se.
Outras tribos aprenderam o seu uso e ele é, até hoje, muito difundido no Sul...

Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data

A lenda do primeiro gaúcho

Gaúcho é o nome que dão aos naturais do Estado do Rio Grande do Sul. Mas houve um tempo que por aquelas bandas só havia índios. E como a terra era linda, o clima agradável, o céu azul demais, os crepúsculos espetaculares, os brancos resolveram se instalar por ali. Havia uma tribo especialmente guerreira e ciosa das suas possessões. Eram os Minuanos, ágeis como o vento, garbosos e atentos na guerra e no amor. Pois os Minuanos enfrentaram os brancos com uma fúria notável.

Num dos combates os índios Minuanos fizeram um prisioneiro. Reuniram-se os chefes e decidiram condená-lo à morte, como advertência aos outros invasores. Prepararam então uma linda festa. O vinho de cauim, as cores de enfeite, as novas armas, as danças guerreiras, tudo foi antecipadamente ensaiado para o grande dia da vingança. O prisioneiro ficou numa cela de taquara, dia e noite vigiado por uma jovem índia da tribo. Não se falavam, mas os sorrisos e os olhares logo construíram uma linguagem mais forte e profunda, a do amor. E a carcereira, cada dia que passava, ficava mais triste ouvindo as reuniões dos chefes, determinando a maneira como deveria morrer o intruso. Como não havia nada que fazer, o jovem pediu à índia, por gestos de mímica, taquaras, corda feita de tripa de capivara, restos de madeira e cola silvestre. Em silêncio, a barba crescida, os olhos incendiados de simpatia pela jovem índia, que o espreitava com a doçura de uma criança, assim o prisioneiro foi construindo uma viola. mas nunca tocou. Estava triste de pensar que ira morrer.

Chegou enfim o grande dia. Os assados e a beberagem correram desde cedo, os homens estavam mais alegres e se exercitavam com as lanças, disparavam em fogosos cavalos cobertos de pele de onça e plumagem de papagaio. As mulheres desenhavam nos corpos curiosas formas em verde e vermelho e gritavam muito enquanto atapetavam de flores o chão batido da taba. Desde cedo o prisioneiro ficou amarrado a um tronco no centro da praça. Só a índia estava triste; de longe, oculta atrás de uma bananeira, olhava com profunda mágoa todo aquele movimento.
Alta noite, o cacique acompanhado do feiticeiro se aproximou do prisioneiro. Houve um silêncio sepulcral, os olhos todos brilhavam. Era a morte que descia com seu sorriso dourado. Então o cacique falou:
- Homem branco, tua hora é chegada!
E o feiticeiro acrescentou:
- Nossos deuses querem o teu sangue, porque és nosso inimigo.
O jovem não dizia nada. Houve um momento de silêncio. Dez jovens guerreiros ergueram suas lanças em direção ao peito do prisioneiro.

O cacique disse ainda:
- Antes de matar-te queremos que satisfaças teu último desejo. O que gostarias de fazer agora.
O jovem não disse nada, olhou comovidamente a jovem índia que lhe servira de vigia durante aquelas semanas de espera. Olhou e ela, como se entendesse se aproximou dele. Trazia nas mãos a viola que ele havia construído na prisão. O Jovem branco sorriu. A índia veio de mãos estendidas com o instrumento intacto. Desamarrou o prisioneiro – havia em torno um sussurro patético. Com a viola, o moço branco dedilhou a mais suave canção, sua voz se elevou com uma tristeza que fez tremer os mais empedernidos guerreiros. Cantou, cantou como um pássaro no último dia do mundo. Havia amor, vibração e nostalgia em seu canto. A índia, perto dele, chorava ajoelhada. Começou então um murmúrio vindo de todos os lados, logo crescendo, a voz ficou nítida, diziam:
- Gaúcho... gaúcho.. – que queria dizer: gente que canta triste. E todos se sentaram e ficaram ouvindo, esquecendo do ódio, da vingança e do sacrifício. A alta lua encontrou o jovem branco dedilhando a viola, calaram os pássaros ouvindo sua voz. E ele foi perdoado. Ficou com os Minuanos e casou-se com a índia. Tiveram muitos filhos e assim começou a raça gaúcha. Por isso, nas largas noites ao pé do fogo com o chimarrão e a viola, ao ouvir-se a voz do homem do sul cantando de amor e de saudade, ouve-se também um murmúrio longínquo, os garbosos fantasmas da tribo Minuano, passando entre nuvens e chamando dolosamente: “gaúcho... gaúcho....”.

Autor: Walmir Félix Solano Ayala, poeta gaúcho



sábado, 21 de junho de 2008

Inverno no Rio Grande do Sul


Mas que Geada de lasca!

Essências

Poesia Gaúcha

Autor: Wilson Araújo
(poesia finalista da Sesmaria da Poesia Gaúcha / Osório - 1999)

Um galpão, um fogo de chão,
um manojo de jujos pendurado à parede.
Uma tira de couro que ganhou de um amigo,
para os dias de chuva,
nos finais de semana,
tirar alguns tentos e ensaiar
uma trança que aprendeu
com o pai quando era guri.

Em riba de um cepo
um pelego sovado.
No canto da mesa,
uma massa de carreta suportando uma cuia.
Uma chaleira de ferro,
uma panela três pernas
que descansa em
silêncio na trempe cilhona
dos fogões campeiros.

O Chiar da cambona,
encostada nas brasas, ressona
com calma o seu musical.
E traz na lembrança as coisas
marcantes, quando deixou a Querência:
por motivos que a vida
impôs no caminho.

O Verde dos campos, com marcas
salientes dos capões de mato.
As sangas correndo em direção ao rio
- refletem retratos -
que seus olhos viram num
tempo saudoso que ficou
pra trás.

O Rubro do fogo, que
seus olhos vêem é a barra do dia,
surgindo bonita de trás do
horizonte!

O Canto dos pássaros!
O Berro do boi!
E o relincho dos potros,
ficam nítidos e puros,
nos poemas campeiros que os
poetas escrevem musicando a vida.

Que as ondas sonoras de
um rádio de pilhas lhe trás
para o rancho.

O Sentimento terrunho
que trazes no peito,
abastece a alma!
Com as coisas mais lindas
que o pago lhe deu:
a infância, o respeito, o amor
pela terra e o valor profundo;
Que ficou na resteva da vida,
de seus ancestrais!

Mas, quando a alma campeira
vazia de campos retouça
no peito a saudade maior,
as lembranças tranqueiam
retesando o garrão,
vencendo o repecho da vida
de um homem que mateia pensando,
sentindo o conforto de uma vida
urbana que tem ao redor!

Por isso um galpão, retrato de ontem
reproduz a Querência!
Porque mudar uma planta para outra terra,
ficam marcas no chão...
Rebrotam outros galhos
mas, mas não muda a essência!

Autor: Wilson Araújo
(poesia finalista da Sesmaria da Poesia Gaúcha / Osório - 1999)

Poesia Gaúcha!


Aqui estou, Sr. Inverno

Poesia Gaúcha!

Autoria: Aureliano de Figueiredo Pinto

Já sei que chegas, Inverno velho!
Já sei que trazes - bárbaro! O frio
e as longas chuvas sobre os beirais.
Começo a olhar-me, como em espelho,
nos meus recuerdos... Olho e sorrio
como sorriram meus ancestrais.

Sei que vens vindo... Não me amedrontas!
Fiz provisões de sábias quietudes
e de silêncios - que prevenido!

Vão-se-me os olhos nas folhas tontas
como simbólicos ataúdes
rolando ao nada do teu olvido.

Aqui me encontras... Nunca deserto
do uivo dos ventos e das matilhas
de angústias vindo sem parcimônias.
Chega ao meu rancho que estou desperto:
- sou veterano de cem vigílias,
sou tapejara de mil insônias.

Aqui estarei... Na erma hora morta,
junto da lâmpada, com que sonho,
não temo estilhas de funda ou arco.
Tuas maretas de porta em porta,
os teus furores de trom medonho
não trazem pânico ao bravo barco.

Na caravela ou sobre a alvadia
terra do pampa - cerros e ondas
meu tino e rumo não mudarão.
No alto da torre que o mar vigia,
ou, sem querência, por longas rondas,
não me estrangulas de solidão.

Tua estratégia de assalto e espera
conheço-a muito, fina e feroz:
de neve matas; matas de mágoa;
derramas nalma um frio de tapera;
nanas ausências a meia voz
e os olhos turvos de rasos d'água.

Comigo, nunca... Se estou blindado!
Resisto assédios, que bem conduzes,
no legendário fortim roqueiro.
Brama as tuas fúrias de alucinado!
- Fico mais calmo que as velhas cruzes
braços abertos para o pampeiro.

Os meus fantasmas bem sei que animas
para, num pranto de vãs memórias,
virem num coro de procissão
trazer-me o embalo de velhas rimas.
- À intimidade dessas histórias
tenho aço e bronze no coração.

Então soluças pelas janelas,
gemes e imprecas pelos oitões,
galopas louco sobre as rajadas,
possesso, ululas entre procelas.
E ébrio, nas noites destes rincões
lampejas brilhos de punhaladas.

Inútil tudo! Vê que estou firme.
Nenhum receio me turba o aspeto,
nenhuma sombra me nubla o olhar.
Contigo sempre conto medir-me
frio, impassível, bravo e correto
como um guerreiro que ia a ultramar.

Reconciliemo-nos, velho Inverno!
Nem és tão rude! Tão frio não sou...
Venha um abraço muito fraterno.
Olha...
Esta lágrima que rolou
não a repares...
É de homenagem
a alguém que aos céus se fez de viagem,
e nunca... nunca! Nunca mais voltou...

Autoria: Aureliano de Figueiredo Pinto

Poesia Gaúcha!

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Gaúcho

Gaúcho é uma denominação das pessoas ligadas a atividade pecuária em regiões de ocorrência de campos naturais do vale do Rio da Prata, entre os quais o bioma denominado pampa, supostamente descendente mestiço de espanhóis, portugueses, indígenas e negros. As peculiares características de seu modo de vida pastoril teriam forjado uma cultura própria, derivada do amálgama da cultura ibérica, indígena e africana, adaptada ao trabalho pecuário em propriedades denominadas estâncias. É assim conhecido no Brasil, enquanto que em países de língua espanhola, como Argentina e Uruguai é chamado de gaúcho.

O termo também é correntemente usado como gentílico para denominação de habitantes do estado brasileiro do Rio Grande do Sul, e em alguns casos o termo é utilizado por habitantes do norte do Brasil para denominar os oriundos de qualquer região do sul do país.

O termo seria ainda utilizado para denominar um tipo folclórico e um conjunto de tradições codificado e difundido por um movimento cultural agrupado em agremiações que cultivam ou mantêm tais tradições, denominadas CTGs. Seria, conforme seus defensores, a denominação de uma nacionalidade.



Etimologia

Existem várias teorias conflitantes sobre a origem do termo "gaúcho". Pode ser que o vocábulo tenha derivado do quechua (idioma ameríndio andino) ou do árabe "chaucho" (um tipo de chicote para controlar manadas de animais). Além disso, abundam outras hipóteses sobre o assunto. A primeira vez que foi documentado o seu uso foi em torno de 1816, durante a independência da Argentina.

Segundo Barbosa Lessa em seu livro Rodeio dos Ventos, publicado pela Editora Mercado Aberto, 2a edição, o primeiro registro da palavra se deu em 1787, quando o matemático português Dr. José de Saldanha participava como integrante da comissão demarcadora de limites na fronteira do Brasil com o Uruguai. O registro se deu em uma nota de rodapé em seu relatório de trabalho.

História

O termo originou-se na língua indígena da descrição de pessoas de hábitos nômades, criminosos, brancos pobres, escravos fugidos ou índios aculturados que não possuíam terras e vendiam sua força de trabalho a criadores de gado nas regiões de ocorrência de campos naturais do vale do Rio da Prata, entre os quais o pampa, planície do vale do Rio da Prata e com pequena ocorrência no oeste do estado do Rio Grande do Sul, limitada, a oeste, pela cordilheira dos Andes.

O gentílico "gaúcho" foi aplicado aos habitantes da Província do Rio Grande do Sul na época do Império Brasileiro por motivos políticos, para menosprezá-los, sendo adotado posteriormente pelos próprios habitantes por ocasião da adoção da forma de governo republicana (1889), quando valores culturais tomaram outro significado. Também importante para adoção dessa imagem mítica para representação do Estado do Rio Grande do Sul é a influência do nativismo argentino, que no final do século XIX expressa a construção de um mito fundador da cultura da região.

Na Argentina, o poema épico Martín Fierro, de José Hernández, exemplifica a utilização do elemento gaúcho como o símbolo da tradição nacional da Argentina, em contradição com a opressão simbolizada pela europeização. Martín Fierro, o herói do poema, é um "gaúcho" recrutado a força pelo exército argentino, abandona seu posto e se torna um fugitivo caçado. Esta imagem idealizada do gaúcho livre e altivo é freqüentemente contrastada com aquela dos trabalhadores mestiços das outras regiões do Brasil.

Os gaúchos apreciam mostrar-se como grandes cavaleiros e o cavalo do gaúcho, especialmente o cavalo crioulo, "era tudo o que ele possuía neste mundo". Durante as guerras do século XIX, que ocorreram na região, atualmente conhecida como Cone Sul, as cavalarias de todos os países eram compostas quase que inteiramente por gaúchos.

Música


Existem vários ritmos que fazem parte da cultura gaúcha, mas a maioria deles são variações de danças de salão centro-européias populares no século XIX. Esses ritmos, derivados da valsa, do xote, da polca e da mazurca, foram adaptados como vaneira, vaneirão, chamamé, milonga, rancheira, xote, polonaise e chimarrita, entre outras.

O único ritmo que realmente é gaúcho é o bugio, criado pelo gaiteiro Wenceslau da Silva Gomes, conhecido como Neneca Gomes, em 1928, na então província de São Francisco de Assis. Inspirado no ronco dos bugios, macacos que habitam as matas do Rio Grande do Sul, o ritmo foi banido de lá por ser considerado obsceno, mas foi cultivado em São Francisco de Paula, onde até hoje é realizado o festival nativista "O Ronco do Bugio".

A partir de 1970, com a criação da Califórnia da Canção Nativa em Uruguaiana, começaram a surgir festivais de música nativa, que incentivaram o surgimento de novos estilos, de músicos e compositores, naquilo que passou a ser chamado de "música nativista". A música nativista na verdade é formada por ritmos que já existiam, com destaque para a milonga e o chamamé, porém com canções mais elaboradas e com letras quase sempre dedicadas ao Rio Grande do Sul.


O dialeto gaúcho

O dialeto gaúcho é um dialeto do português falado no Rio Grande do Sul. Fortemente influenciado pelo espanhol e pelo guarani, especialmente nas áreas próximas à fronteira com o Uruguai, e ainda com vários empréstimos do italiano, possui diferenças lexicais e semânticas muito numerosas em relação ao português padrão - o que causa, às vezes, dificuldade de compreensão do diálogo informal entre dois gaúchos por parte de pessoas de outras regiões brasileiras, muito embora eles se façam entender perfeitamente quando falam com brasileiros de outras regiões. Foi publicado um dicionário "gaúcho-brasileiro" pelo filólogo Batista Bossle, listando as expressões regionais e seus equivalentes na norma culta.

A fonologia é bastante próxima do espanhol platino, sendo algumas de suas características a não vocalização do "l" em "u" no final de sílabas, e a menor importância das vogais nasais, praticamente restrita à vogal "ã" e aos ditongos "ão" e "õe". Gramaticalmente, uma das características mais notáveis é o uso do pronome "tu" em vez de "você" (diferente do usado em São Paulo), mas com o verbo na terceira pessoa ("tu ama", "tu vende", "tu parte").

Palavras

* ancinho = rastilho
* aprochegar = aproximar-se, chegar perto;
* atucanado = atrapalhado, cheio de problemas;
* baita = grande, crescido;
* bergamota = tangerina;
* borracho = bêbado;
* branquinho = beijinho (doce);
* brigadiano = policial militar
* cacetinho = pão francês;
* cancheiro = pessoa que tem experiência e/ou habilidade em alguma coisa
* carpim = meia de homem
* chapa = radiografia
* chapa = dentadura
* chavear = trancar com a chave;
* china = mulher de vida fácil;
* chinoca = mulher;
* colorado = torcedor do Internacional;
* corpinho = sutiã;
* cuecão = ceroula;
* cupincha = camarada, companheiro, amigo;
* cusco = cachorro, cão pequeno;
* entrevero = mistura, desordem, confusão de pessoas, animais ou objetos;
* fatiota = terno;
* folhinha = calendário;
* gaudério = gaúcho;
* guria = menina, moça;
* lomba = ladeira;
* melena = cabelo;
* negrinho = brigadeiro (doce);
* pandorga = papagaio, pipa;
* parelho = liso, homogêneo;
* patente = vaso sanitário;
* pebolim = totó, fla-flu;
* pechada = batida, trombada (entre automóveis)
* pedro e paulo = dupla de policiais militares;
* peleia = briga;
* piá/guri = menino;
* pila = palavra regional que dá nome a moeda nacional, no caso o Real (ex: 10 pila, 25 pila - usa-se sempre no singular);
* prenda = mulher do gaúcho;
* quebra-molas = lombada;
* sarjeta = meio-fio;
* sestear = dormir depois do almoço;
* sinaleira = semáforo;
* tchê = pessoa, "cara";
* terneiro = bezerro;
* trava = freio, breque;
* tri = muito (ex: trilegal, tribonita);
* veranear = passar o verão;
* vivente = criatura viva, pessoa, indivíduo;


Expressões

* agüentar o tirão = topar a parada, sustentar uma opinião;
* andar pelas caronas = andar mal, estar em dificuldade;
* arrastar a asa = enamorar-se;
* botar os cachorros = falar mal de alguém;
* chorar as pitangas = lamuriar-se;
* dar com os burros n'água = dar-se mal, ser mal sucedido;
* deitar nas cordas = fazer corpo mole;
* de orelha em pé = atento, de sobreaviso;
* de rédeas no chão = entregue, submisso, apaixonado;
* de varde = de balde, em vão;
* de vereda = imediatamente, já;
* é tiro dado e bugio deitado = acertar de primeira; ter certeza do que faz;
* entregar as fichas = ceder, concordar;
* estar com o diabo no corpo = estar furioso, insuportável;
* frio de renguear cusco = frio tão intenso que pode deixar um cachorro mancando;
* índio velho = camarada;
* ir aos pés = fazer as necessidades no vaso sanitário;
* juntar os trapos = casar, viver junto;
* lamber a cria = mimar o filho;
* largar de mão = desistir, abandonar;
* matar cachorro a grito = estar sem dinheiro, estar na miséria, viver com dificuldade;
* meter a viola no saco = calar-se, desistir, acovardar-se;
* morar para fora = morar no campo (fazenda, sítio ou vila pequena)
* na ponta dos cascos = (estar) em posição excelente, pronto para atuar;
* no mato sem cachorro = em dificuldade, em apuros;
* olhar de cobra choca = olhar dissimulado;
* se aprochegar = chegar mais próximo, se acomodar;
* sentar o braço = surrar, espancar, esbofetetar, bater;
* terneiro guacho = tomador de leite;
* tomar uma camaçada de pau = apanhar;
* tomar uma tunda de laço = apanhar;


Interjeições

* Bah! = Nossa! - é primariamente, uma interjeição de espanto, mas pode ter outros usos, como, por exemplo, mostrar hesitação ao iniciar uma frase.
* Capaz? = É mesmo?, Imagina! - indica espanto e dúvida ao mesmo tempo quanto ao que a pessoa acabou de ouvir.
* Que tri! = Que legal!
* Né = Não é? - gíria porto-alegrense utilizada todo o tempo ao final das frases durante uma conversa, né?

Prenda

Prenda, no Rio Grande do Sul, é a mulher gaúcha, segundo o movimento tradicionalista gaúcho, e seu par é o peão.

A indumentária típica da prenda consiste em um vestido (ou saia e blusa), com ou sem casaquinho, cuja barra alcança o peito do pé. O modelo da saia varia de acordo com a idade e estrutura física da prenda. As mangas da blusa podem ser longas, três-quartos ou até o cotovelo, e podem ser lisas ou levemente franzidas, mas não bufantes. Geralmente a prenda não usa decote, mas, um leve decote, com ou sem gola, sem expor os ombros e o seio, é admitido. Os sapatos são geralmente pretos, brancos ou bege, com uma tira sobre o peito do pé abotoada do lado de fora, podendo ter salto cinco ou meio-salto.

Os cabelos devem estar semipresos, presos ou em tranças, enfeitados com flores discretas, que podem ser naturais ou artificiais. As mulheres mais jovens podem usar travessas simples ou com flores discretas e passadores nos cabelos. Em respeito à idade ou gosto pessoal, o uso de adereço no cabelo é opcional.

A maquiagem deve ser discreta e de acordo com a idade e a ocasião social.

A prenda jamais usa brincos de plástico coloridos, relógio, pulseiras, luvas ou colares.

O vestido de prenda

O vestido de prenda é um traje típico brasileiro, mais especificamente, a indumentária gauchesca feminina.

Pode ser um vestido inteiro para todas as prendas, ou saia e blusa, com ou sem casaquinho, para as prendas adultas e senhoras. A saia pode ser godê, meio-godê, em panos, em babados ou evasê; pode apresentar cortes na cintura, cadeirão ou corte-princesa, dependendo da idade e estrutura física da prenda, e com o comprimento da saia alcançando o peito do pé.

Os tecidos para a execução dos vestidos variam de acordo com as estações climáticas, podendo ser lisos ou com estampas florais miúdas, xadrezinho, com riscas discretas, de bolinhas etc. Não são permitidos tecidos transparentes sem forro e nem brilhantes, como lamê ou lurex. Não é aconselhável o uso do preto, que remete ao luto, e a cor branca é reservada para o uso das noivas e debutantes. Não devem ser usadas também combinações com as cores da bandeira do Rio Grande do Sul.

O vestido da prenda geralmente não é decotado; porém, é admitido um leve decote, com ou sem gola, sem expor os ombros e o seio. Pode apresentar enfeites com renda, aplicações, bordados, fitas, gregas, babadinhos, plissês, botõezinhos forrados, nervuras ou favos. As mangas podem ser compridas, três-quartos ou até o cotovelo; podem ser lisas ou levemente franzidas (mas nunca não bufantes), com ou sem aplicação, mas sem muito exagero.

Modernamente, a gaúcha tem trocado o vestido de prenda pelo chiripá.

Os Centros de Tradições Gaúchas

Os Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) são sociedades civis sem fins lucrativos, que buscam divulgar as tradições e o folclore da cultura gaúcha tal como foi codificada e registrada por folcloristas reconhecidos pelo movimento.

Visam a integração social dos seus participantes, os tradicionalistas, o resgate e preservação dos costumes dos gaúchos, através de danças, do churrasco e demais pratos típicos, e dos esportes.

O chimarrão

O chimarrão ou mate é uma bebida característica da cultura do sul da América do Sul, um hábito legado pelas culturas quíchua, aymará e guarani. Ainda hoje é hábito fortemente arraigado no Brasil (Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul (principalmente), Mato Grosso do Sul e Mato Grosso (Pantanal) e Rondônia), parte da Bolívia e Chile e em todo o Paraguai, Uruguai e a Argentina.

É composto por uma cuia, uma bomba, erva-mate e água.

Embora a acepção mate seja castelhana, é utilizada popularmente também no Rio Grande do Sul paralelamente com o termo "chimarrão".

Chimarrão (cimarrón em espanhol) também designa o gado que foge para o mato e torna-se selvagem.