segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Pajador

Pajador é o repentista que canta seus versos de improviso com o acompanhamento de milonga, feito por guitarra. No sul do Brasil, o pajador canta seus versos em Décima Espinela (ABBAACCDDC) no estilo recitado e não se acompanha musicalmente como nos Países do Prata. Um músico de apoio executa a milonga para a pajada.

Pajador (ou payador em espanhol) quer dizer repentista. A origem da palavra não tem uma definição convencionada. Há algumas hipóteses: alguns autores afirmam que venha de "payo" nome do primitivo habitante de Castilla, outros que seria de "pago" ou "pagueador" e ainda há quem sugira que venha de "palla" nome dado pelos Quichuas aos grupos de índios que sentavam nas praças a cantar. Há quem afirme que possa vir da palavra "pajé", chefe espiritual dos índígenas, misto de sacerdote, médico e feiticeiro. Contudo ninguém sabe ao certo.

A grafia da palavra em espanhol é Payador e em português, convencionamos, Pajador, porém sua pronúncia é a mesma: PAJADOR.

O pajador foi o andejo ou gaudério que surgiu na origem do gaúcho (ou el gaucho). Cruzava os campos em busca de lonjuras, quando o sul da América tinha suas fronteiras imprecisas. Até que provem o contrário, pode-se afirmar que ele esteve em terras, hoje brasileiras, do mesmo jeito e no mesmo período em que, em uruguaias, argentinas e chilenas.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A Erva-Mate


Esta lenda conta que, há muitos e muitos anos, uma grande tribo estava de partida. O lugar onde moravam não servia mais, pois a caça estava difícil e a terra já não produzia como antes. Todos estavam muito tristes, apesar das palavras animadoras do cacique e das previsões do pajé. Lentamente, em procissão, os índios foram deixando a antiga aldeia onde tinham vivido tantos anos. As ocas abandonadas e alguns pássaros que, percebendo o abandono, vieram pousar no terreiro, à procura de alguma sobra de comida, compunham a desolação do ambiente.
Não havia mais ninguém.
De repente, o couro que fechava a entrada de uma oca foi afastado.
Os pássaros, assustados, voaram para longe, e um velho índio apareceu. Tinha os cabelos completamente brancos e apoiava-se a um bordão. Atrás dele surgiu uma mocinha índia.
O velho guerreiro não tivera forças para acompanhar a tribo em sua marcha.
Sua filha mais nova, sem coragem de abandoná-lo, preferira renunciar à segurança da tribo. Para não assistir à partida de sua gente, haviam permanecido dentro da oca. O velho insistira com a filha para que fosse com os outros:
- Vá, enquanto é tempo, Iari. Pouco me resta de vida e depois, o que será de você? O que fará neste lugar abandonado? Antes ficar sozinho do que angustiar-me com seu destino.
- Não fale assim, pai. Sabe que eu não teria coragem de abandonar-lhe. O que faria o senhor sozinho? Morreria de fome!
Os dois continuaram a viver na aldeia e dava pena ver o esforço do índio para ser útil à filha.
Lentamente, com o maior sacrifício, reunia um pouco de lenha, apanhava, apanhava alguma fruta.
Ela, então, não parava: plantava, colhia, cozinhava, procurava manter em ordem a oca e o terreiro, onde o mato, adivinhando a fraqueza da moça, parecia resolvido a retomar o que fora seu. Até as onças, que antes não se aproximavam, temendo a flecha dos guerreiros, andavam urrando cada vez mais perto. A noite era cheia de sobressaltos e o dia, vazio de esperanças.
Os meses foram passando.
Numa triste tarde de inverno, o velho estava um tanto afastado da aldeia, colhendo algumas frutas, quando viu mexer-se uma folhagem próxima. Pensando que fosse uma onça, ficou gelado. Para defender-se, não tinha mais forças; para fugir, não podia contar com as pernas. Completamente paralisado, esperou o pior.
Em vez da onça, porém, viu surgir um homem branco muito forte, de olhos da cor do céu, vestindo roupas coloridas, que aproximou-se do velho guerreiro e pediu:
- Venho de longe e há dias que ando sem parar. Estou cansado e queria repousar um pouco. Poderia arranjar-me uma rede e algo para comer?
O velho lembrou-se que a comida era escassa, mas não pode recusar.
- Sim, respondeu. Venha comigo. E tomaram o caminho da aldeia.
Ao chegar, ele chamou Iari e apresentou-lhe o viajante:
- Este homem, minha filha, está mais cansando do que nós e também sente fome. Cuide para que nada lhe falte.
Iari acendeu o fogo e preparou tudo o que havia de comer, embora soubesse que não seria fácil conseguir mais. O estranho comeu com apetite.
O velho e sua filha cederam-lhe sua oca e foram dormir numa das outras, abandonadas. Iari levou sua rede, nela acomodou o pai e dormiu no chão, porque não havia outra rede e a de seu pai ficara com o viajante.

Logo cedo, o velho índio encontrou o homem branco cortando lenha. Pediu-lhe que parasse, pois era um hóspede, mas o homem respondeu que já estava bem descansado e gostaria de ajudar, também.
Terminou de cortar a lenha e seguiu em direção à floresta. Horas depois, retornou com várias caças. O velho não sabia o que dizer.
- Vocês merecem muito mais! - exclamou o homem. Trataram-me com toda a hospitalidade, dando-me tudo o que possuíam!
Depois ele confessou que era um enviado de Tupã. O deus dos índios estava preocupado com a sorte dos dois.
- Pela bondade de vocês, disse ele, merecem receber tudo o que desejarem.
O velho animou-se:
- Posso pedir mesmo?
- Claro! Diga o que deseja!
- Queria ter um amigo que me fizesse companhia até que meus dias acabassem. Assim, Iari poderia alcançar nossa tribo e ser feliz. Fico triste em vê-la aqui sozinha, sem amigas, sem uma festa, só trabalhando. Se ao menos eu tivesse mais forças! Poderia ficar sozinho. Ela não quer deixar-me, porque sabe que eu não sobreviveria.
- Vou arranjar-lhe um amigo, prometeu o mensageiro. Um amigo que lhe dará alegria e forças para o resto de seus dias.
Mostro-lhe, então, uma erva estranha:
- Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe que ela cresça e faça-a multiplicar-se. Depois ferva suas folhas e beba o chá. Novamente as forças lhe voltarão e poderá trabalhar e caçar o quanto quiser. Sua filha, se desejar, poderá ir ao encontro da tribo.
Iari foi chamada e disse que não, preferia ficar na companhia do pai. Não poderia ser feliz em sua tribo, se o deixasse só.
O enviado de Tupã sorriu, emocionado:
- Por ser tão boa filha, você merece uma recompensa. A partir de agora, você é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais. Cuidará para que o mate jamais deixe de existir e fará com que os outros o conheçam e bebam, para ficarem fortes e felizes.
Em seguida, o homem partiu.
Tinha dito a verdade: o velho guerreiro recuperou as forças perdidas e nunca mais passaram necessidade.
Entretanto, Iari vivia preocupada com o pedido do estranho. Ele queria que ela tornasse o mate conhecido. Mas como? Estavam tão longe que ali não aparecia ninguém! Ela não sabia o que fazer.

Numa distante aldeia de índios, realizava-se uma grande festa. Todos estavam contentes porque tinham feito uma boa caçada e tão cedo não precisariam preocupar-se com alimento.
Enquanto uns dançavam e cantavam, outros comiam e bebiam.
Depois de algumas horas de alegria, dois jovens índios, que tinham bebido mais do que deviam, começaram a discutir. Eram Piraúna e Jaguaretê. O primeiro usava um colar feito com dentes de cem inimigos que abatera nas guerras; o segundo era famoso por sua força e coragem. Eram os guerreiros mais fortes da tribo.
Quando alguns índios viram o que estava acontecendo, procuraram acalmar os dois jovens, pois sabiam que uma briga entre eles teria resultado funesto. Depois de muito esforço, levaram cada um para um lado e a festa continuou.
Mas os dois estavam mesmo decididos a terminar a discussão que haviam iniciado. Pouco a pouco, um foi chegando perto do outro e a briga recomeçou. Desta vez, apelaram para a força. Os índios mais corajosos fizeram de tudo para separá-los. Porém, quem podia com eles? Fortes como eram, cheios de ódio e com cauim a embotar-lhes o raciocínio, pareciam duas feras e não dois homens.
De repente, Jaguaretê empunhou um tacape e deu um violento golpe na cabeça de Piraúna, matando-o.
Interrompendo-se a festa e Jaguaretê foi amarrado ao poste das torturas.
Pelas leis daquela tribo, os parentes do morto podiam executar o assassino.
Trouxeram o pai de Piraúna, para que ordenasse a execução de Jaguaretê, mas ele não quis fazê-lo. Disse que Jaguaretê só era culpado de haver bebido demais, tendo dado, assim, oportunidade a Anhangá, o espírito mau, de dominá-lo, levando-o a matar o amigo. Ele não deveria ser morto, portanto. Apenas expulso da tribo. Teria de viver sozinho nas matas desconhecidas, onde poderia refletir com calma sobre o que fizera.
A decisão do velho foi obedecida. Depois de desamarrarem o jovem guerreiro, deram-lhe permissão para que pegasse suas armas e ordenaram que partisse imediatamente.
Jaguaretê obedeceu e seguiu para o exílio. Ia triste, cabisbaixo, pois o efeito da bebida estava passando e podia ver agora o mal que fizera. Seguiu seu caminho e embrenhou-se na mata.
Depois que Jaguaretê sumiu na floresta, ninguém ouviu falar mais nele. Com o tempo, foi completamente esquecido.


Muitos anos depois, alguns índios daquela tribo, que nem tinham ouvido falar em Jaguaretê, saíram para caçar. Entraram pelo sertão, onde era fácil encontrar uma onça, aprofundando-se cada vez mais. No meio da floresta, encontraram uma cabana. Surpresos, aproximaram-se com cuidado.
Nisto, um homem forte e sorridente apareceu. Embora tivesse os cabelos brancos, o corpo e o rosto eram os de um jovem.
Ele acolheu os índios com cordialidade e ofereceu-lhes uma bebida desconhecida. Era Jaguaretê, o índio expulso de sua tribo, e a bebida desconhecida era o mate.
Os índios quiseram saber por que ele vivia sozinho naquela cabana e que bebida era aquela.
Jaguaretê contou-lhes a sua história:
- Assim que me vi sozinho na floresta, não agüentava mais o cansaço e o remorso, joguei-me no chão e ali fiquei, pedindo a morte. O arrependimento e a saudade de minha gente me torturavam. Fiquei muito tempo caído no mesmo lugar. Pressenti, então, que alguém estava perto de mim. Levantei a cabeça e vi uma jovem de olhar bondoso. Ela fitou-me com compaixão e disse:
- Tenho pena de você, porque não matou por querer e agora está arrependido do que fez. Para que possa suportar seu exílio, vou ensinar-lhe uma bebida que não enfraquece nem tira a razão como o álcool, mas fortalece o corpo e clareia a mente. Meu nome é Caá-Iari, a deusa protetora dos ervais.
Mostrou-me uma estranha planta e esclareceu:
- Esta é a erva-mate. Plante-a, deixe-a crescer e faça-a multiplicar-se. Depois, prepare uma infusão com suas folhas e beba o chá. Seu corpo será forte e sua mente será clara por muitos e muitos anos.
Segurei, emocionado, a planta que a deusa me entregara. Ela me olhou, em silêncio. Depois, desaparecendo pouco a pouco, como se fosse fumaça, ordenou:
- Não deixe de transmitir a quem encontrar, o que aprendeu sobre o mate!
- Portanto, meus amigos, finalizou Jaguaretê, quero que levem alguns pés de erva-mate para sua tribo e nunca deixem de transmitir aos outros o que aprenderam.
- Não vem conosco? - perguntou um índio.
- Não, não vou, respondeu Jaguaretê, pensativamente. Agora é tarde. Todos os que eu conhecia na tribo já devem estar mortos e eu seria um estranho. É preciso que eu cumpra meu exílio. Além disso, estou habituado com este lugar, que me sinto parte dele. E não estou sozinho, tenho o mate para alegrar minhas horas de solidão.
Os índios voltaram e contaram aos outros o tinham ouvido. O mate foi plantado e multiplicou-se.
Outras tribos aprenderam o seu uso e ele é, até hoje, muito difundido no Sul...

Histórias e Lendas do Brasil (adaptado do texto original de Gonçalves Ribeiro). - São Paulo: APEL Editora, sem/data

A lenda do primeiro gaúcho

Gaúcho é o nome que dão aos naturais do Estado do Rio Grande do Sul. Mas houve um tempo que por aquelas bandas só havia índios. E como a terra era linda, o clima agradável, o céu azul demais, os crepúsculos espetaculares, os brancos resolveram se instalar por ali. Havia uma tribo especialmente guerreira e ciosa das suas possessões. Eram os Minuanos, ágeis como o vento, garbosos e atentos na guerra e no amor. Pois os Minuanos enfrentaram os brancos com uma fúria notável.

Num dos combates os índios Minuanos fizeram um prisioneiro. Reuniram-se os chefes e decidiram condená-lo à morte, como advertência aos outros invasores. Prepararam então uma linda festa. O vinho de cauim, as cores de enfeite, as novas armas, as danças guerreiras, tudo foi antecipadamente ensaiado para o grande dia da vingança. O prisioneiro ficou numa cela de taquara, dia e noite vigiado por uma jovem índia da tribo. Não se falavam, mas os sorrisos e os olhares logo construíram uma linguagem mais forte e profunda, a do amor. E a carcereira, cada dia que passava, ficava mais triste ouvindo as reuniões dos chefes, determinando a maneira como deveria morrer o intruso. Como não havia nada que fazer, o jovem pediu à índia, por gestos de mímica, taquaras, corda feita de tripa de capivara, restos de madeira e cola silvestre. Em silêncio, a barba crescida, os olhos incendiados de simpatia pela jovem índia, que o espreitava com a doçura de uma criança, assim o prisioneiro foi construindo uma viola. mas nunca tocou. Estava triste de pensar que ira morrer.

Chegou enfim o grande dia. Os assados e a beberagem correram desde cedo, os homens estavam mais alegres e se exercitavam com as lanças, disparavam em fogosos cavalos cobertos de pele de onça e plumagem de papagaio. As mulheres desenhavam nos corpos curiosas formas em verde e vermelho e gritavam muito enquanto atapetavam de flores o chão batido da taba. Desde cedo o prisioneiro ficou amarrado a um tronco no centro da praça. Só a índia estava triste; de longe, oculta atrás de uma bananeira, olhava com profunda mágoa todo aquele movimento.
Alta noite, o cacique acompanhado do feiticeiro se aproximou do prisioneiro. Houve um silêncio sepulcral, os olhos todos brilhavam. Era a morte que descia com seu sorriso dourado. Então o cacique falou:
- Homem branco, tua hora é chegada!
E o feiticeiro acrescentou:
- Nossos deuses querem o teu sangue, porque és nosso inimigo.
O jovem não dizia nada. Houve um momento de silêncio. Dez jovens guerreiros ergueram suas lanças em direção ao peito do prisioneiro.

O cacique disse ainda:
- Antes de matar-te queremos que satisfaças teu último desejo. O que gostarias de fazer agora.
O jovem não disse nada, olhou comovidamente a jovem índia que lhe servira de vigia durante aquelas semanas de espera. Olhou e ela, como se entendesse se aproximou dele. Trazia nas mãos a viola que ele havia construído na prisão. O Jovem branco sorriu. A índia veio de mãos estendidas com o instrumento intacto. Desamarrou o prisioneiro – havia em torno um sussurro patético. Com a viola, o moço branco dedilhou a mais suave canção, sua voz se elevou com uma tristeza que fez tremer os mais empedernidos guerreiros. Cantou, cantou como um pássaro no último dia do mundo. Havia amor, vibração e nostalgia em seu canto. A índia, perto dele, chorava ajoelhada. Começou então um murmúrio vindo de todos os lados, logo crescendo, a voz ficou nítida, diziam:
- Gaúcho... gaúcho.. – que queria dizer: gente que canta triste. E todos se sentaram e ficaram ouvindo, esquecendo do ódio, da vingança e do sacrifício. A alta lua encontrou o jovem branco dedilhando a viola, calaram os pássaros ouvindo sua voz. E ele foi perdoado. Ficou com os Minuanos e casou-se com a índia. Tiveram muitos filhos e assim começou a raça gaúcha. Por isso, nas largas noites ao pé do fogo com o chimarrão e a viola, ao ouvir-se a voz do homem do sul cantando de amor e de saudade, ouve-se também um murmúrio longínquo, os garbosos fantasmas da tribo Minuano, passando entre nuvens e chamando dolosamente: “gaúcho... gaúcho....”.

Autor: Walmir Félix Solano Ayala, poeta gaúcho